Foram dias e noites de esbórnia extrema. Cafés da manhã demorados, almoços com amigos, amigas e agregados, outro almoço com a família que você não via desde o Natal passado, lanches e cafés da tarde que deixariam os ingleses com inveja escura da quantidade de cafeína no seu sangue... E os jantares? Ah! Os jantares. A grande maioria das confraternizações - palavrinha fila da puta! - é feita em jantares. E são várias. Algumas se chocam em data e horário e você é obrigado a frequentar pelo bom relacionamento durante todo o ano. Quem se confraternizou, muitas vezes nem sabe seu nome ou quem é você! Mas é fim de ano, tem comida e bebida de graça... Já viu, né?
Aí você passa o mês de dezembro inteiro numa maratona de ingestão de comidas de todas as procedências e bebidas idem. Ingere uma quantidade de calorias absurda, todas pesadas que, em dias normais, daria pra se alimentar um mês, e como coisas que são vistas apenas no fim de ano. E parece mágica. Assim que o dia primeiro de janeiro acaba essas coisas também somem. Os sorrisos que você recebia até do porteiro mal humorado do prédio da frente também se evaporam como as comidas, depois do primeiro dia do ano. A vida começa a entrar nos eixos de novo. A vida começa a ser dura de novo. Nessa dureza depois do primeiro dia do ano está o que há de mais drástico, dramático, odioso, depressivo, porém necessário: a academia!
Acordar na primeira segunda-feira já é suficientemente depressivo para acionar um Rivotril. Mas, cabeça boa que somos, levantamos felizes, tomamos uma caneca de café - na esperança de que ela mude seu humor - e vamos para o trabalho feliz da vida. Quer dizer, médio! Enquanto se trabalha a imagem daquele tanto de pesos e barras de ferro ficam martelando na sua cabeça, com o perdão do trocadilho. Meio-dia. Não há mais como fugir. Rumo à academia.
No caminho a gente tenta de tudo. Liga pra 200 amigos pra saber se não precisa de ajuda, procura a Associação dos Animais Abandonados pra saber se há animal a ser procurado, liga pra sua tia pra saber se ela não quer que você a acompanhe naquela costureira lá no fim do mundo... Chega-se ao matadouro! Um local com um monte de aparelhos de ferro cercados por espelhos - o que me incomoda pacas, já que desde o início de dezembro só uso o espelho do carro para pentear cabelo. Não quero ver meu corpo.
Com um sorriso descomunal e desnecessário, o personal olha pra você e, todo entusiasmado, pergunta como está. "Com ódio!", respondo. E continua: "Qual foi a última ficha que fez?". Ah... Vá se ferrar! Não sei nem quantas garrafas de vinho tomei ontem, ONTEM, e ele quer saber qual foi a última ficha que executei na semana passada, antes do Réveillon! Sem chance. Peço para ele fazer outra e parar de se fazer de feliz porque tá me irritando.
Primeiro exercício: sensação de morte súbita na segunda execução. Dou uma volta, olho as árvores através dos vidros e retorno ao sacrifício. Mais uma série é meu coração bate um "plá" com o fígado. Os dois parecem se desentender. Desisto da série e vou para o segundo exercício.
Segundo exercício: ainda sorrindo - não imagino o motivo que os profissionais de academia sorriem tanto - o personal chega até mim e me prepara: "serão dois em um, agora". Em espanto, olhos os olhos dele e, com sarcasmo, sugiro: "por que não fazemos todos logo de uma vez? Saio daqui pro hospital e não precisarei aparecer aqui até o fim do carnaval".
Terceiro exercício (que, na verdade, é o quarto): pernas em boicote. Respiro. Tento de novo. O FDP do personal me encara e diz sorrindo: "Força!". Tenho antipatia de gente empolgada! Executo a série na certeza de que nunca mais serei o mesmo.
Quarto e quinto exercícios: apesar de saber que já viramos o ano, começo a ver luzes piscando e pergunto se já estão preparando as luzes pisca-pisca para o Natal deste ano. Mas era apenas um pré-desmaio. Água e descanso e...
Sexto exercício: olhei pro personal e fui incisivo: "Alguém tá te pagando pra tentar me extinguir do planeta?". Ele ri. Eu tento erguer um braço, mas prefiro guardar forças. Ou inquérito sobrou dela.
Sétim... "CHEGA!", Gritei. "Não faço nem adedonha mais hoje. Cê besta! Já tem quase 40 minutos que tô aqui morrendo...". Ele sorri, de novo, me irrita mais uma vez, e pede para que eu vá para a esteira. "Meiorinha de corrida leve!". Faço 15 minutos andando e pronto.
Chega! Vou embora, afinal faltam apenas quatro segundas-feiras para o carnaval, que é quando a gente se permite de novo! Axé.