segunda-feira, 31 de março de 2014

Diálogo com a vizinha de cima / Parte II: a faxina


 Era madrugada de sexta para sábado. Havia feito trabalho extra e, portanto, o descanso justo tinha sido atrasado. Meus 89 relógios, incluindo os de parede, marcavam 3h14 duma madrugadinha fresca. Ótimo para dormir. Tomei um banho, fiz uma “boquinha” e caí na cama. Quase 4 da manhã. Foram duas horas de um sono profundo e acalentador. Não mais que duas horas.

Às 6 horas, ainda escuro por causa do inverno, ouço um barulho estranho e quase ensurdecedor, devido ao silêncio que se fazia, ainda de madrugada. Acordei e quase grudei no teto, como os gatos quando são assustados e arrancados de um sono profundo. Até fazer a cabeça funcionar para entender o que estava acontecendo demorou um pouco. Não foi difícil confirmar que o barulho vinha, adivinha de onde? Do apartamento de cima.

A vizinha parecia ter acordado disposta a fazer uma faxina daquelas. Pelo visto – ou ouvido – ela começara por arrastar os móveis. E já tinha começado pelo sofá. Não tinha visto nada. Ainda estava na minha cama. Mas eu podia desenhar a cena toda: a vizinha de cima com um lenço amarrado na cabeça, uma camiseta das Óticas Sollaris toda relaxada e uma bermuda de lycrapreta. Nos pés, as legítimas: havaianas brancas com as tiras azuis.

Esperei mais um pouco antes de tomar qualquer decisão. Mas ela parecia querer colocar o sofá dentro do banheiro, ou na sacada, na cozinha... sei lá. O que sei é que a vizinha de cima ficou durante meia hora arrastando alguma coisa lá em cima e impedindo-me de dormir. Tive de tomar providências.

Enrolei-me no roupão e, descalço, subi as escadas rumo ao andar de cima. 6h32 da manhã. A vizinha de cima abriu a porta.

A mulher do apartamento de cima: Bom dia!

Eu: Bom dia! A senhora vai dar faxina hoje?

A mulher do apartamento de cima: Ah, sim! Sábado é dia de f...

Antes mesmo de ela pronunciar a palavra ‘faxina’, me adiantei.

Eu: ... E de dormir até mais tarde também, expliquei a ela.

Ela fez um olhar de quem não havia entendido.

A mulher do apartamento de cima: Como?

Eu: Minha senhora, hoje é sábado. Trabalhei até de madrugada. Cheguei cansado e pretendo dormir pelo menos mais umas duas horas. Seria possível a senhora me permitir?
A mulher do apartamento de cima: Mas eu não estou...

Novamente a atropelei:
Eu: Está sim, senhora. A senhora parece estar arrastando seu sofá para o banheiro. Sofá fica quieto na sala. A senhora sabe que horas são? E a senhora sabe a que horas começou a arrastar as coisas em casa? E a senhora sabe que tem alguém no apartamento de baixo tentando dormir? Acho que conhece todas as respostas. Agora eu vou descer, vou voltar para a minha cama e vou dormir. Vou dormir sem qualquer barulho no apartamento de cima do meu até às 11 horas. Entendeu?

Ela balançou a cabeça afirmativamente e engoliu seco.

Eu: Passar bem!

A mulher do apartamento de cima: Bom dia!

Eu: Espero que seja. Só depende da senhora!

sábado, 1 de março de 2014

E quem não gosta de carnaval?


Você é daquelas pessoas que passam o ano todo programando o feriado de carnaval? Combina com os amigos? Aluga casa em Pirenópolis ou flat em Caldas Novas? Procura uma praia animada, onde a farra com gente desconhecida é garantida? Ferve em Salvador? Recife? Customiza aquela camiseta com pedras brilhosas e outras bijuterias? Junta aquela graninha suada para comprar uma fantasia e desfilar numa escola de samba do Rio de Janeiro? Passa a quaresma inteira postando nas redes sociais as fotos que tirou na Marquês de Sapucaí, lavado de suor e com as penas da alegoria se despencando? Tudo bem. Você faz parte da grande maioria de brasileiros e de gringos que aportam em terras tupiniquins para curtir a folia de Momo – que, de Momo, mesmo, ninguém tem nem notícia! Você está dentro da normalidade de um monte de gente que é apaixonada por carnaval.

Mas mesmo nascendo, crescendo e vivendo no Brasil, tem gente que não gosta de carnaval. Não tolera a jardineira que está tão triste, não quer saber quantos risos, oh!, quanta alegria e nem se há mais de mil palhaços no salão. Enquanto os foliões passam os últimos dias do ano – já que o Brasil só funciona mesmo depois do carnaval – se intoxicando, há quem passa o feriadão dormindo, lendo, comendo bem, assistindo a bons filmes e seriados. E tem gente que, acredite, passa o carnaval rezando. E se você é desses que preferem algo mais tranqüilo que a folia, aí vão algumas dicas para se divertir – ou não! – durante o reinado de Momo.

1.                  Assistir a seriados: É hora de colocar em dia todas as temporadas daquele seriado norte-americano que você comprou numa promoção do Submarino, por R$ 99,90. Em média, cinco temporadas. Cada uma com quatro DVDs. Cada DVD tem quatro episódios. Cada episódio, em média, 40 minutos. São 3200 minutos de filme, ou 53,333 horas. Tirando seis horas de sono por dia, mata-se um seriado todinho em três dias. Ainda sobra um dia e meio. Mais uns oito filmes ainda podem ser assistidos.

2.                  Vigiar a cidade: Minha amiga Maria Thereza Alencastro Veiga é dessas. A idéia é a seguinte: entre um intervalo e outro de um programa de TV, ou na pausa longa que você costuma dar para “descansar as vistas”, pode-se chegar até a sacada do apartamento ou à janela de casa e ver se tudo corre bem pela cidade onde, desde sexta depois das seis da tarde, é possível andar nu pelas ruas. Atenção! Qualquer movimento suspeito que não seja um cachorro correndo, um pombo dando um rasante numa estátua ou um catador desavisado procurando latinhas de alumínio é motivo suficiente para correr e chamar a polícia. Você pode ajudar a manter a ordem.

3.                  Visitar os parentes: Momento propício para visitar aquela tia doente de erisipela, que não anda mais faz uns seis anos e, na última vez que te viu durante a ceia de Natal de 2008, te chamou de desnaturado. Passe numa padaria boa e compre meio quilo de cada quitanda – pão-de-queijo, broa de fubá, enroladinho, diplomata... –, umas quatro caixas de suco de pêssego e leve como demonstração de que você se importa, sim, com ela. Aquelas laranjas descascadas por máquinas também são excelentes para essas ocasiões. O problema será achar os vendedores, que devem ter corrido para vendê-las na folia da cidade mais próxima. No mais, mantenha a tia com a boca cheia. Isso vai evitar que ela fale demais e que você ouça o que não quer.

4.                  Cozinhar: É um bom momento para abrir um daqueles sites de “culinária prática para iniciantes” ou pegar aquele livro “Dona Benta”, que você ganhou num amigo secreto naquela empresa em que você trabalhou na década de 1990, e colocar em prática todos os dotes culinários que nunca teve. Vantagem: os supermercados estarão vazios e você vai poder comprar todos os ingredientes com calma e não vai gastar muito tempo na fila do caixa. Desvantagem: é feriado e a empregada só virá no fim da outra semana. A sujeira toda será só sua e você ainda corre o risco de passar dias comendo a mesma coisa para não deixar perder o que sobrou, já que as receitas são sempre para mais de uma pessoa e, quem se aventura pela cozinha pela primeira vez, quer ver volume!

5.                  Preparar uma horta: Mora em casa com quintal ou tem uma floreira na sacada do apartamento? Pronto! O principal você já tem: terra. Na sexta-feira à tarde, quando uma imensa multidão formar filas de veículos nas rodovias a caminho da folia, você estará num viveiro de mudas ou num supermercado escolhendo as sementes. Compre três ervas de tempero (sugiro alecrim, manjericão e tomilho), uma espécie de pimenta e alguns tubérculos. Não se esqueça do adubo, da terra preta e de um regador. Se você tiver preparo físico e os exercícios para a lombar não o faz sofrer, você conseguirá fazer sua horta no fim de semana, tran-qui-la-men-te. Vai sobrar ainda dois dias e meio para ler tudo sobre “Como ter uma horta em casa”. Ensina-se até a plantar em garrafas pet.

6.                  Arrumar os armários: Seu janeiro passou tão rápido que você, assim como eu, deixou de fazer aquela faxina? Então é hora de deixar preguiça de lado, já que fevereiro dá os últimos suspiros. Papeis tidos como importantes, notas fiscais, comprovantes de compras com cartão de crédito, listas telefônicas – sim, elas ainda existem! – as centenas de propagandas da nova pizzaria do seu bairro, os cartões de visita que você jamais vai se lembrar de quem são, quilos de chamex com anotações inúteis, revistas velhas, jornais e similares. Separe tudo e chame uma associação que venda o papel para a reciclagem. Você ainda faz uma boa ação.

Mas se nenhuma dessas atividades te agradar, que tal abrir uma boa garrafa de vinho – ou duas. Quem sabe três? –, convidar os possíveis amigos que também estão à espera de alguma coisa para fazer, encher a mesa de batatas ruffles de todos os sabores e amendoins japoneses, preparar aquele set de músicas que você não escuta há anos e se entregar à sessão naftalina? No fim das contas, vai dormir tranqüilo e o carnaval servirá, ao menos, para reparar as olheiras. Bom carnaval. Bom sono. Axé!

Rimene Amaral é jornalista e fotógrafo

http://www.aredacao.com.br/artigos/40913/e-quem-nao-gosta-de-carnaval