Não é todo mundo que sabe apreciar um
bom vinho e reconhecer suas nuances. Muito menos, quem sabe conceituar um
vinho, pelo seu sabor, usando de outros sentidos ou de predicados e adjetivos
que são comuns às pessoas. Pois bem. Me atrevi!
Depois de um dia de muito trabalho,
cheguei em casa e, na sequência, minha amiga Andréa Reges manda-me uma mensagem
para a confirmação da rua que moro. Chegava ela, alguns minutos depois, munida
de um bolo-de-rolo inigualável – que congelei e comi com café quente no dia
seguinte – e uma garrafa de vinho, enviada gentilmente pela admirável Sandra
Vaucel, da Casa do Vinho Francês – com um cartão fino, selado com cera, como
somente as pessoas de alma nobre o fazem. Sorri de orelha a orelha. Minha árdua
tarefa aquela noite era tomar o vinho e dar o meu parecer com relação a ele, um
francês de uma das mais suntuosas castas.
Já imaginando que a noite seria de
uma degustação quase orgásmica, subi apressadamente para deixar o vinho
respirando na adega, enquanto mantinha o ambiente do quarto a 16 graus
centígrados. Estávamos naqueles dias de calor intenso, senegalês, eu diria, mas
não poderia deixar a tarefa de provar e falar sobre as minhas impressões.
Missão que foi abortada antes mesmo de eu levar o vinho para resfriar. O
interfone tocou e as visitas privaram-me de seguir adiante com o ritual.
Desculpe-me, mas precisei ser egoísta.
Dias depois, com a certeza da solidão
inócua, comecei o ritual um tanto mais cedo. Assim que o sol se pôs, a
temperatura do ambiente foi acertada para os mesmos 16 graus. Preparei algumas
frutas secas, castanhas e pães. Tudo pronto. Vinho resfriado. Banho tomado.
Perfume acertado... lá fui eu para a labuta!
Confesso – e disso não tenho medo, já
que a confissão, além de demonstração de nobreza, é auxílio da sapiência – que
até três anos atrás meu paladar não se dava muito bem com os vinhos franceses.
Que os conterrâneos de Napoleão não me escutem, mas achava-os um tanto
“sem-graça”, meio aguados ou fracos, já que meu paladar carecia de algo mais
robusto, como é o caso dos vinhos portugueses, espanhóis e chilenos. Fiquei com
esse palpite até que fiz uma pequena incursão pelo vinho francês, numa viagem a
Bordeaux. Claro, minhas impressões caíram por terra e passei a administrar meu
paladar para os vinhos franceses. Uma grata surpresa!
Voltando ao presente de Sandra, segui
a regra da boa degustação. Abri o vinho, deixei-o respirar por poucos minutos,
já que era um vinho fino, leve... Três dedos abaixo da metade da taça
preenchidos. Uma olhada contra a luz. O bouquet
entrando pelas vias nasais e, finalmente, o paladar. Deixei o líquido preencher
todo o espaço da minha boca e abraçar todas as minhas papilas. Até mesmo as que
eu não sabia que existiam. Engoli e o retrogosto confirmou as minhas
impressões.
Pois bem. De olhos fechado quase
viajei com a sensação que tive. Ainda com os pés no chão, pude ir longe. E
consegui pensar na descrição mais certa para a bebida. Da forma mais honesta
que eu poderia tê-la feito. Eu consegui – assim espero! – descrever o vinho com
as mesmas sensações que usamos para descrever gente. Conceituei-o com os mesmos
adjetivos e predicados usados para conceituar pessoas que conhecemos. A
primeira impressão foi a de elegância. Um vinho que começa tímido, com sabor
leve e, aos poucos, vai tomando conta de tudo e, como um tsunami, invade o
paladar e mostra sua força. Mas nada que cause qualquer constrangimento. É um
vinho fino, que não agride o paladar, mas sabe – perdoe-me a expressão –
“chegar chegando”. É elegante porque, apensar de leve, tem um tanino não muito
curto e um toque frutado e refrescante, apesar de aquecer o corpo e a alma. E o
melhor, o bouquet permanece durante
toda a degustação.
Há quem diga que é frescura. Pode
ser, principalmente, para quem não tem o costume ou nunca se deixou ser tocado pelas
papilas lá detrás da língua, pelo tanino de uma boa casta. Portanto, antes de
qualquer julgamento, afine seu paladar para o seu tipo de vinho e permita-se, antes
de qualquer coisa, se deixar levar pelas qualidades, predicados e adjetivos que
uma uva pode lhe apresentar quando o seu líquido começa a entrar pelo seu
corpo. Poético, né? Mais ainda: prazeroso! Tim-tim...