terça-feira, 20 de julho de 2010

Sobre drogas e make up

Era um homem, mas o perfil era o de uma tia bem coroa, toda espalhafatosa, de aproximadamente 50 anos, mas que aparentava uns 60. Conseqüência das noitadas regadas a generosas doses e, bem possível, a longas carreiras de pó, findáveis apenas quando o primeiro raio de sol surgisse. Pediu licença para se sentar ao lado da janela, acento 26F do vôo 3795. Levantei-me e a ‘tia velha’ se sentou. Usava calças jeans surradíssimas, uma camiseta toda destronchada, bolsa tira-colo de lona cinza já bem desgastada pelo tempo e uma pochete. Os cabelos continham bem mais de cinqüenta por cento de fios brancos. A cara mais amarrotada que terno de bêbado. Acomodou a matula debaixo da poltrona da frente e recostou-se. Respirava fundo, como se tivesse corrido uma maratona, minutos antes de embarcar no portão de número 2.

Abri meu livro e comecei uma leitura frenética. Coisa que faço sempre quando quero chegar logo ao destino. A leitura me parece adiantar o tempo. Enquanto mergulhava numa história de guerra, comédia e histeria, o companheiro da poltrona ao lado começava e demonstrar sinais de inquietação. Talvez fosse a noitada que ainda estava correndo nas veias e a cabeça ainda estava longe dali. Era clara a tentativa de fuga da alma do corpo, a qualquer preço. A ‘tia velha’ começou a conversar com o nada. Parecia treinar um papo que teria assim que descesse da aeronave, com alguém muito importante. E o assunto era deveras relevante.

Por um momento imaginei que o vizinho de poltrona estivesse amedrontado pelo vôo. Passava a mão constantemente pela face. Começava pela mandíbula e subia até a fronte. Depois completava, como uma espécie de alívio, até a nuca, entrelaçando os dedos nos cabelos gris e voltando, novamente, à face. Fazia isso sem parar. Parecia tenso. Às vezes, parecia rezar. Mas uma coisa era fato: não parava de conversar. Apontava o dedo. Virava a mão, com a palma voltada para cima, como quem duvida de algo. Por várias vezes tive a nítida certeza de que ele tivesse dito um “ponte que partiu!” e em outras, claramente, ouvi “carvalho!”. Abaixou-se, abriu a capanga e retirou um saco com folhas de papel impressas. Tentei ler, mas ele parecia não querer que ninguém soubesse qual era a resenha.

Serviço de bordo iniciado e ele recebe o prato. Pediu dois. Como informou a empresa aérea, para lembrar os tempos da vovó e trazer de volta o acalento. Imaginei que ele possivelmente pudesse estar precisando daquilo, até o momento em que ele pediu dois copos de suco de laranja. Havia algo errado, certamente. Ou havia alguém ali que eu não conseguia enxergar. Me lembrei que people can see dead people. E o papo continuava.

De repente, a ‘tia’ começa a emitir grunhidos, seguido de uma gargalhada quase contida. Depois uma gargalhada debochada. Fiquei estático e meus olhos passeavam pelo meu lado direito querendo achar o motivo da risada. Vi, pela primeira vez, a face da ‘tia velha’. Como dizia uma cinegrafista sem qualquer discrição, com quem trabalhei anos atrás, além de grisalho, tinha cara de areia mijada, marcada pela acne. Sorria e passava a mão pelo nariz, respirava fundo, balançava a perna direito sem parar um segundo, sequer, enquanto conversava só e ria de alguma coisa que deveria ter sido muito engraçada. E gesticulava. Como gesticulava, a ‘tia’!

Depois de recolhidas as sobras do serviço de bordo, adormeci, rapidamente, e acordei com um grito histérico do meu lado, assim que o comandante anunciou: “Atenção senhores passageiros, pouso autorizado!”. Juro que não entendi a cena. ‘Tia velha’ gritava com uma mão na cabeça e outra na barriga. Os olhos marejados, quase vertendo, estavam vidrados enquanto a aeronave se chacoalhava toda, minutos antes do pouso. Assim que o avião tocou o solo e deu-se o solavanco, com a abertura do reverso, a ‘tia’ se calou. Olhei para o lado e percebi que havia entrado em estado catatônico. Quando o avião parou, chamei a aeromoça. Com toda presteza, se postou ao meu lado e perguntou à ‘tia’ se estava tudo bem. “O senhor está pálido. Precisa de alguma coisa?”. E a ‘tia velha’, sorrindo: “Tem um batom, por favor?”.

*Fato real e acontecido ontem.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Preto

Pra não deixar esquecer nunca.
Essa música me eleva, me lava, me leva...

http://www.youtube.com/watch?v=AFVlJAi3Cso