Quando eu era criança, lembro-me de
acordar cedo aos domingos para acompanhar minha mãe à missa. Criado assim,
dentro do cristianismo católico, passei por todos os processos que a igreja
prega: batismo, primeira comunhão, crisma... Na mesma época, estudava em escola
pública e lia os poucos livros que a biblioteca, também pública, oferecia. Em
nenhuma das instituições fui obrigado a ler a Bíblia. Não que não seja um livro
importante, interessante e de cunho também histórico. Apenas não me obrigaram.
Estudei, cresci e me formei. Formei também uma consciência crítica do que, para
mim, é certo ou errado. Disso tudo me sobrou a ideia que obrigação é uma necessidade
imposta pela falta de educação. O que não foi o meu caso.
O Brasil precisa de educação e isso
ninguém contesta. Somente assim, o brasileiro saberá escolher bem seus
representantes, aqueles que se proponham a lutar em benefício da sua cidade,
Estado, país e, principalmente, em benefício dos cidadãos. Não precisamos de
políticos que, assim como os fundamentalistas e os de tolerância duvidosa ou forjada,
tentam empurrar garganta abaixo de uma sociedade carente de estudos básicos a
imposição da sua fé e da sua crença. Pessoas assim ignoram completamente a fé
alheia e comungam dos ideais intolerantes que movem, de uma forma ou de outra, uma
violência desenfreada mundo afora.
Cada um segue a fé a qual lhe faz
bem, lhe traga paz e sanidade mental. Cada um escolhe o seu livro, seja o
Alcorão, a Bíblia, o Zend Avesta, o Mahabharata, o Tripitaka ou os segmentos de
Sidarta Gautama. Não me venha querer impor qualquer crença que seja sem saber
se “eu” quero segui-la. Isso não é democracia. É como se, por exemplo, colocassem
os filhos de uma família evangélica para estudar numa escola muçulmana e os
obrigassem a seguir o que dita o Alcorão. Ou jogassem um bramanista numa escola
espírita e o obrigasse a entender – e crer! – nas mesas girantes, estudadas por
Kardec, no início da codificação do espiritismo. Não é assim que funciona. Não
se enfia ideologia na cabeça de alguém pelo mero prazer de difundir a própria
crença. Quem sabe o que é melhor para “mim” sou eu.
Onde fica a individualidade do
cidadão? É sufocada pelo preconceito arraigado que desmantela um sistema laico!
Isso é, a meu ver, um afronta ao cidadão e ao uso do espaço público, mantido
por meio dos impostos pesados pagos pelo cidadão, para difundir interesses
próprios ou de uma minoria intolerante que não enxerga o indivíduo como um ser
múltiplo e com vontades e desígnios únicos. Parlamentares que passam o tempo de
trabalho, também pago pelo cidadão, arquitetando projetos de aceitação duvidosa
e de cunho altamente discriminatório, servem apenas para fomentar o ódio e a
intolerância ao diferente. Esse tipo de iniciativa nunca vai gerar qualquer
tipo de benefício intelectual ou moral.
O que deveria haver – e aqui dou meus
préstimos com ideias de bons projetos de lei – era a preocupação com a leitura
obrigatória diária do Código Nacional de Trânsito, em todas as escolas, para
tentar melhorar o caos e falta de educação com a qual nos deparamos diariamente
nas ruas, como se estivéssemos em uma selva sem leis. Deveriam apresentar
projeto de lei para ensinar educação financeira nas escolas e fazer com que crianças
começassem cedo a pensar no futuro e não depender de políticos que se
aproveitam da boa vontade de tanta gente humilde para fazer a carreira. Deveriam
obrigar, por meio de projetos, o respeito a todas as diferenças, sejam elas
religiosas, sociais, sexuais, raciais... Deveriam pregar, sim, a tolerância e a
igualdade. Para os fundamentalistas religiosos, uma pergunta: Não foi isso que
o Cristo pregou?
A leitura da Bíblia é de grande valia.
Para muitos, essencial para se viver em acordo com a sociedade, com o mundo e
consigo mesmo. Vale e muito! Mas daí a obrigar a todas as pessoas, diferentes
ou ignorantes a um tipo de crença, a praticar os ideais religiosos avessos aos
seus, isso é, no mínimo, insano. E onde está a suma que o Brasil é um Estado
laico? Isso já foi esquecido? Jogaram isso na lama também, junto com a
intolerância e o respeito ao próximo? Penso que é obrigação das autoridades
resgatar esse princípio. Quando os ideais cristãos, os quais alguns insistem em
dizer que seguem e comungam, forem respeitados – igualdade, tolerância,
caridade e o amor ao próximo –, aí sim, quem sabe, esse tipo de obrigatoriedade
deixará de ser necessário.
Rimene Amaral é jornalista
http://www.aredacao.com.br/artigos/59923/num-estado-laico-obrigatoriedade-da-biblia-nas-escolas-e-insanidade