sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Emoções em frascos




O olfato é, sem dúvida, o meu sentido mais aguçado e desde que me entendo por gente os cheiros fazem parte da minha vida como se fossem uma marca. Minha memória olfativa é infalível, é emotiva, é forte e me faz sair de mim para lugares e tempos remotos. A primeira lembrança que me vem à mente quando se fala nessa tal memória é a primeira florada da jabuticabeira da casa do meu avô. Eu era acordado pela chuva fina e insistente que caía naquela manhã de sábado e, pela janela entreaberta, entrava um frescor com cheiro de flor de jabuticaba, misturada ao café fresco que mau pai fazia. Nada mais aconchegante. Nada mais calmante e nada mais inesquecível... Lá se vão algumas décadas.

O tempo seguiu seu curso e eu fui aperfeiçoando meu olfato, selecionando os cheiros mais importantes da minha vida e guardando em algum lugar, aqui dentro, que eu mesmo nem sabia que ainda estavam lá. E, de repente, quando um desses cheiros passa novamente pelo seu nariz e você fecha os olhos, vem uma história de vida que me faz encher os olhos d’água, voltar no tempo e quase poder tocar o que a lembrança escancara, depois daquela cutucada em algum ponto guardado ali na memória. Até as pessoas parecem estar ali, do seu lado.

E, de tanto cheiros que me fazem sentir essas emoções, um deles é o cheiro de lavanda que, quando me conquistou, era apenas dentro de um frasco de vidro. Meu pai usava todos os dias pela manhã. Minha mãe também. Esse perfume de lavanda sempre se misturava a um cheiro de café fresco e me remetia, ainda criança, ao sábado de manhã, quando da primeira florada da jabuticabeira. Definido, então, que a lavanda era o meu cheiro preferido, cresci procurando todas as variações da planta. E foi em Paris que conheci uma touceira de lavanda, ao vivo e a cores, e pude me esfregar nela para sentir o perfume que ela exala quando tocada. 

Corri o mundo. Conheci lugares, pessoas, sabores e muitos cheiros. E dentre esses cheiros, mais lavanda. No sul da França, conheci uma lavanda com cheiro de... de vida! Comprei uns quatros frascos para não me esquecer mais. Em outra viagem, conheci um boticário, em Firenze, na Toscana italiana, que fabricava perfumes a partir do seu cheiro preferido. Adivinha? Claro, pedi um perfume de lavanda e a surpresa foi maior do que o esperado. Quando senti o cheiro do perfume já no vidro, depois de todas as misturas feitas, era exatamente o cheiro da lavanda que meu pai usava, mais de 30 anos atrás. Meus olhos marejaram quando fechei os olhos e voltei no tempo.

Esta semana fui convidado para o lançamento da fragrância Eau de Leonora, criada por uma das mulheres que mais admiro pela fineza, elegância, inteligência, simplicidade, firmeza, simpatia, beleza... e um monte de adjetivos que poderia passar horas escrevendo. Leonora Rocha Lima Nogueira conseguiu colocar em frascos mais que um líquido perfumado de lavanda. Ele garimpou no fundo da alma as emoções e as lembranças e fez com que tudo viesse à tona. Hoje, quando passei na loja para adquirir um frasco – faço isso com tudo o que tem cheiro de lavanda – senti-o na pele e fechei os olhos. Foi como ser sugado para uma dimensão diferente. Fui, novamente, jogado num passado que eu não me lembrava mais.

Veio aquela mistura de aconchego, de cama limpa, de banho quente depois de um dia de cansaço, de abraço de pai e mãe, de fim de tarde em casa com bolo saindo do forno. Revi uma vida que ficou na lembrança, apenas. E que lembrança! Leonora conseguiu colocar nos frascos muito mais que um líquido cheiroso. Ela colocou emoções, ela colocou o passado, a saudade, a felicidade... Ela conseguiu ser fiel à lavanda, que veio cheia de frescor, de energia – e calmaria, quando se quer! Ele colocou no frasco a lavanda arteira e cheia de nuances, conforme a pele respira. Ganhei mais um frasco de emoções e mais um pedaço da vida que havia ficado perdia no tempo e em algum lugar aqui dentro. Hoje tudo isso despertou, veio à tona e trouxe a emoção junto. Obrigado por me permitir isso novamente.

Para Leonora Rocha Lima Nogueira, que me fez reviver emoções.