sábado, 9 de agosto de 2014

O perigoso – a história do chuchu antes do voo


 Nada de viagens longas, de amuar na casa de desconhecidos – e pouco, na casa de conhecidos –, nada de malas que ultrapassassem o tamanho suficiente para duas calças, cinco camisas, lenços, meias e cuecas... Mesmo sendo uma das companhias mais agradáveis em quaisquer circunstâncias, meu pai sempre foi muito caseiro. Gostava de receber, de casa cheia, de movimentação. Mas havia lugares e datas sagradas para receber a visita dele. E, claro, aonde chegava conquistava seus espaços. Um deles era a cozinha.

Falar que papai cozinhava bem é chover no molhado. Isso todo mundo já sabe. Até quem não o conheceu. E, acima de tudo, não usava mais que uma meia dúzia de ingredientes e muita, mas muita simplicidade, como em tudo que fazia e no jeito de viver. Papai gostava de arroz moreno, feito na mesma panela que fitara a carne ou a linguiça. Gostava de farofa de pimenta godê, de abobrinha batida, de molho de quiabo com jiló – que ele nomeou de “molho verde” –, e de chuchu. E como gostava de chuchu. Da forma mais simples: alho, sal, pimenta, água e chuchu. Só! Uma comida das mais inocentes e, ouso dizer, mais sem sentido. Chuchu é o quarto estágio da água. Mas quem comia o chuchu que papai fazia, jamais olharia para o vegetal novamente com o mesmo olhar.

Pois bem... Numa das poucas viagens que meu pai fez que não fosse para Bahia – segunda terra-natal dele por escolha própria – a cozinha também foi um dos cantos mais frequentados da casa dos sobrinhos-compadres, Lena e Tadeu, em Vitória, no Espírito Santo. Durante a temporada, muita comilança, como não poderia deixar de ser. Comida baiana – já que a casa era de baiana –, muita moqueca, frutos do mar, cerveja... Uma infinidade de comidas, diríamos, de peso. De muito peso. O que, sem novidade, agravaria a função do fígado e faria com que todos, depois de uns dias, passassem a uma dieta mais leve. Papai nas rédeas do fogão não permitia isso.

No dia da volta para casa, papai acordou cedo e se enveredou na cozinha. Lembrando que os ânimos e a digestão ainda estavam prejudicados e, levando em consideração que passaríamos metade do dia em voos e aeroportos, era melhor preparar algo leve. Eis que surge o chuchu, mas numa versão “hard”, com muita pimenta. Foi aí que papai e todas as outras pessoas que conheciam a história passaram a chamar o chuchu de “perigoso”, numa clara evidência de contrassenso, depois de passar dias de enfarando de verdadeiras bombas em forma de comida. Riram todos, de soluçar, quando ele apresentou o prato de chuchu e disse: “Tenho medo de comer isso, já que vamos voar. Mas comeremos com calma porque isso aqui é perigoso!”.


Pelo chuchu, pelas viagens, pela simplicidade e pelas conquistas... Feliz Dia dos Pais ao meu pai!