domingo, 9 de agosto de 2015

Dia dos Pais: O cachorro do vizinho


Poucas vezes na vida vi meu pai se levantar depois que o sol estivesse em riste. “Dormir é perder tempo”, dizia ele que acordava pela manhã fazendo barulho. Era para movimentar a casa e acordar quem ainda desejava ficar na cama até mais tarde. Era vontade de interagir, de ver gente circulando pelos cômodos. Era vontade de dividir o café e o pão de queijo com molho tártaro – que ele mesmo fazia questão de fazer. Papai não era pessoa solitária. Gostava de fazer tudo rodeado de gente.

E foi justamente por essa mania de acordar cedo, antes mesmo do sol, que ele era chamado para as tarefas da madrugada, quando era tempo de festa da cidade, em Nova Veneza. Virou coordenador da alvorada, do foguetório que abalava a as redondezas às cinco da madrugada, junto aos sinos e às músicas da igreja. Não que fosse devoto contumaz, mas porque gostava de acordar cedo. Então, quando o mês de julho chegava ele tinha trabalho antes do próprio ofício.

Por volta das quatro e pouco da manhã, com um frio que parecia cortar a face, ele se levantava e preparava o café, enquanto o pão de queijo assava. Num desses dias de festa, os primeiros fogos já pipocavam no céu da cidade, sob o comando dado por ele no dia anterior. Ao abrir a porta da área, que dava para o pequeno quintal que tínhamos em casa, ele foi surpreendido por um cachorro assutado com o barulho dos foguetes. O vira-latas era do vizinho e entrava em pânico quando ouvia os estouros. O cachorro passou pelo meio das pernas dele, foi direto para o quarto e se alojou atrás do guarda-roupas. Acordei ouvindo um “sai, cachorro” meio abafado. Achei que estivesse sonhando. Mas a insistência me fez levantar para ver do que se tratava.

Quando entrei no quarto dele a cena que vi era algo surreal. Papai ajoelhado no chão, com uma vara de pescar na mão, cutucava o cachorro, que permanecia imóvel e amedrontado atrás do guarda-roupas. Quando os fogos começaram, de vez, o cachorro começou a uivar, tamanho era o pânico do animal. Papai, aparentemente irritado, arrastou o móvel e o cachorro, encantuado, não ofereceu resistência. Puxou-o pela coleira até o quintal, juntou as forças que lhe restavam, pegou o cão e o colocou pra fora, encorajando-o a voltar para o quintal do vizinho por uma abertura no muro.

Missão cumprida! Ou quase. O animal parecia feito de mola. Quando chegou do outro lado e meu pai virou as costas, o cão saltou o muro novamente pro lado de cá. Ludibriou papai e entrou em casa, mais uma vez. Não era para se achar graça, mas eu ria escondido para não deixá-lo nervoso. Papai foi até o quarto da bagunça – todo mundo tem num em casa – e pegou uma corda, fez uma laço e conseguiu, em fim, imobilizar o animal. Desta vez, saiu pelo portão da rua com o cão, que sumiu na imensidão escura, uivando como se fosse louco, tamanho era o pavor. A esta altura, o sol já avermelhava o céu e papai deixou de lado a alvorada daquele dia para tomar um banho que esfriasse a cabeça e tirasse o cheiro do bicho.

E como hoje as alvoradas, para mim, não têm mais a mesma importância, acredito que de onde estiver estará sorrindo. E os fogos hoje são exclusivamente para ele. Feliz Dia dos Pais, onde estiver!