Eu sempre tive uma intimidade muito
grande com cheiros. Podiam – e ainda podem! – me levar a lugares, situações,
pessoas, sentimentos... É impressionante, por exemplo, passar por uma rua, vez
ou outra, e sentir um cheiro de pequi e fumaça de fogão à lenha e ser remetido,
instantaneamente, à cozinha da casa da minha avó, no interior da Bahia. 30 anos
atrás! É a memória nos levando de volta no tempo e no espaço. E como me
esquecer do bolo confeitado no dia do aniversário de alguém da família? Tias
Tereza e Vânia se debruçavam sobre massas e recheios para um clássico:
pão-de-ló com recheio de doce de leite e abacaxi e doce de leite e ameixa. Ah!
O bolo ela molhado com guaraná. Mas o cheiro do glacê real, feito com clara em
neve, açúcar e limão, me desalinhava os chacras.
Cheiro. Até quando a gente não
procura por ele, ele nos acha. E foi assim que encontrei a essência que mais me
emocionou. Bem depois de gravar para sempre o cheiro da jabuticabeira florida na
primeira chuva de primavera, - que se misturava ao cheiro do café coado feito
pelo meu pai, num sábado friozinho, de chuva leve e teimosa, e ia me acordava
lá no quarto – gravei o cheiro da alfazema que meu pai usava.
Incondicionalmente todos os dias. Fidelíssimo era ele... Muito tempo sem ver
aquela embalagem de alfazema.
A memória também vai guardando todas
aquelas lembranças num lugar bem reservado. Vez ou outra, parece que queremos
abrir o tal lugar e escancarar os cheiros. Mas temos medo da dor que isso pode
causar. Portanto, deixamos guardado lá. Mas nem sempre as coisas acontecem como
queremos. Passeando por Firenze, na Itália, alguns anos atrás, parei na porta
de um boticário, daquela de outros tempos, que fazem perfume à moda antiga.
Entrei e vi uma prateleira reservada com várias notas de lavanda e alfazema. Pedi
para sentir os perfumes. O primeiro frasco que o boticário abriu era o cheiro
que, durante 33 anos, eu senti quando abraçava meu pai.
Mistura uma coisinha aqui, outra ali
e o perfumista me apresenta o resultado. Meus olhos marejavam. Quando fechei os
olhos para sentir, a primeira sensação foi entrar num túnel e voltar trinta e
tantos anos, lá naquele sábado de chuva fina e insistente. O cheiro da
jabuticabeira veio junto com o do café coado e, é claro, da alfazema de papai.
Eu, definitivamente, não estava mais ali, naquela botica. Eu estava em casa,
aconchegado na cama e esperando papai abrir a porta do quarto e chamar para o
café. Ele era assim: acordava cedo e queria que todos estivessem de pé também. Rapidamente,
voltei a mim, em frente ao balcão do boticário, que me olhava com olhos
curiosos.
Paguei pelo frasco e o coloquei na
mochila. É uma das coisas mais precisos que tenho. É o meu presente de Dia dos Pais
para o meu pai. É o cheiro dele, engarrafado. Guardado só para mim e, de tempos
em tempos, quando a saudade parece querer escancarar aquele lugar escondido
dentro da gente, eu abuso primeiro, abro o frasco e fecho os olhos. Entro
naquele mundo que pode me levar até onde e quando as jabuticabeiras floriam
perfumadas e o aroma e se misturava ao cheiro do café e... alfazema.
Nem sábados, nem jabuticabeiras e nem
a alfazema misturada a tudo isso. Não os sinto mais quando quero. As
jabuticabeiras foram cortadas. Os sábados não têm mais aquela chuvinha fina e
insistente. O café é o mesmo. E o cheiro de alfazema que me acalmava, agora só
quando resolvo que é preciso escancarar. Daí entro na “máquina do tempo” e
viajo longe para onde a felicidade parecia não ter fim.
Feliz Dia dos Pais, onde quer que
esteja, meu herói.