Era preto. Cintilava aos meus olhos por detrás de um vidro embaçado por causa de tantos dedos que lhe apontavam. Lá estava ele. Enfim, o par de sapatos mais admirado da vitrine. Na porta da loja formavam-se filas e mais filas de homens querendo experimentá-lo. Era o único par. Um a um brancos, negros, advogados, professores... Todos experimentavam, mas deixavam a loja com a decepção estampada no rosto.
Chegara a minha vez. Eu parecia já sentir o toque dele nos meus pés. A maciez subia pelas minhas pernas e alcançava meu cóquis e subia mais pelas minhas cervicais. A sensação de leveza era ampla, antes mesmo de chegar a tocá-lo, ao menos, com as mãos. Lá estava eu, frente a frente com aquele sapato. Parecia brilhar ainda mais, mesmo com os sinais de todas as digitais deixadas por aqueles que o experimentaram. Tinha que ser meu. Estava escrito.
Senti um arrepio ao me sentar no banquinho estofado com um veludo vermelho desgastado. O vendedor, com um forte odor de suor e couro misturados, apresenta-me a peça com desdém. Me abaixo para alcançá-lo e as pontas de todos os meus dedos tocam o material. Era uma pelica fina, macia e com uma textura mais agradável ao tato que à visão. Respirei fundo e tomei coragem. Lentamente fui introduzindo meu pé até que ficasse totalmente acomodado dentro do sapato.
Serviu! Era meu. Só meu! Ele foi feito para mim, não tinha dúvidas. Era como se ele fosse acolchoado e com sistema de ventilação acoplado, que mantinha meus pés sempre secos. Tinha que levá-lo. E o fiz.
Em casa, antes de escolher a melhor roupa e o melhor perfume para combinar com a minha mais recente aquisição, sentei-me na cama e admirei o sapato mais uma vez. Virei-o por todos os lados como se quisesse conhecê-lo mais intimamente. Só pra mim. Rapidamente me vesti. Procurei o par de meias mais finas para que não atrapalhasse o contato da minha pele com a pelica. Sai de casa me sentindo um rei.
Na rua eu parecia ser o centro das atenções. O sapato, é claro, era o motivo. Ostentava-o para quem quisesse vê-lo e para quem, por inveja, fazia questão de ignorá-lo. Depois de alguns passos e algumas horas dentro dos sapatos, uma fisgada me fez prestar atenção no meu calcanhar. Parecia ter uma pedra – ah! Uma pedra no sapato. Ignorei a sensação e continuei como se nada houvesse. Mas o incômodo foi crescendo e, num súbito tive vontade de voltar para casa. Antes mesmo de entrar pela sala, já estava descalçado. O meu sapato macio tinha me machucado. Uma bolha na lateral traseira do meu pé direito era a prova. Limpei-o e guardei-o na caixa.
Dois dias depois, já refeito do baque, fiz o mesmo ritual. Saí. O incômodo começou antes. Dessa vez, nos dois pés. As feridas ainda não estavam curadas e fui obrigado a deixá-los de lado, embaixo de uma mesa de bar. As meias brancas ficaram manchadas de vermelho. Mas ainda levei-o para casa, e com carinho.
A terceira vez foi mais traumática. Imaginei que nunca mais calçaria um sapato preto, de pelica. Mas insisti. Um dia eu senti o sapato sufocar meu pé. Onde estaria o sistema de ventilação? Cadê todo aquele processo de acolchoamento de antes? A fineza do produto parecia ter ficado no tempo, na memória. E ficou! Nunca mais o usei. Mas também nunca mais senti as feridas, porque elas estavam cicatrizadas e protegidas por uma casca grossa. Eram calos.
Peguei o par com dois dedos e o depositei na calçada de casa. Eu tinha a certeza de que eu estava com a mesma decepção de todos aqueles que o experimentaram no dia da compra. Mas estava satisfeito por me livrar do fardo. Mais satisfeito ainda em saber que os ferimentos causados por aquele par de sapatos eu não os sentiria mais.
Chegara a minha vez. Eu parecia já sentir o toque dele nos meus pés. A maciez subia pelas minhas pernas e alcançava meu cóquis e subia mais pelas minhas cervicais. A sensação de leveza era ampla, antes mesmo de chegar a tocá-lo, ao menos, com as mãos. Lá estava eu, frente a frente com aquele sapato. Parecia brilhar ainda mais, mesmo com os sinais de todas as digitais deixadas por aqueles que o experimentaram. Tinha que ser meu. Estava escrito.
Senti um arrepio ao me sentar no banquinho estofado com um veludo vermelho desgastado. O vendedor, com um forte odor de suor e couro misturados, apresenta-me a peça com desdém. Me abaixo para alcançá-lo e as pontas de todos os meus dedos tocam o material. Era uma pelica fina, macia e com uma textura mais agradável ao tato que à visão. Respirei fundo e tomei coragem. Lentamente fui introduzindo meu pé até que ficasse totalmente acomodado dentro do sapato.
Serviu! Era meu. Só meu! Ele foi feito para mim, não tinha dúvidas. Era como se ele fosse acolchoado e com sistema de ventilação acoplado, que mantinha meus pés sempre secos. Tinha que levá-lo. E o fiz.
Em casa, antes de escolher a melhor roupa e o melhor perfume para combinar com a minha mais recente aquisição, sentei-me na cama e admirei o sapato mais uma vez. Virei-o por todos os lados como se quisesse conhecê-lo mais intimamente. Só pra mim. Rapidamente me vesti. Procurei o par de meias mais finas para que não atrapalhasse o contato da minha pele com a pelica. Sai de casa me sentindo um rei.
Na rua eu parecia ser o centro das atenções. O sapato, é claro, era o motivo. Ostentava-o para quem quisesse vê-lo e para quem, por inveja, fazia questão de ignorá-lo. Depois de alguns passos e algumas horas dentro dos sapatos, uma fisgada me fez prestar atenção no meu calcanhar. Parecia ter uma pedra – ah! Uma pedra no sapato. Ignorei a sensação e continuei como se nada houvesse. Mas o incômodo foi crescendo e, num súbito tive vontade de voltar para casa. Antes mesmo de entrar pela sala, já estava descalçado. O meu sapato macio tinha me machucado. Uma bolha na lateral traseira do meu pé direito era a prova. Limpei-o e guardei-o na caixa.
Dois dias depois, já refeito do baque, fiz o mesmo ritual. Saí. O incômodo começou antes. Dessa vez, nos dois pés. As feridas ainda não estavam curadas e fui obrigado a deixá-los de lado, embaixo de uma mesa de bar. As meias brancas ficaram manchadas de vermelho. Mas ainda levei-o para casa, e com carinho.
A terceira vez foi mais traumática. Imaginei que nunca mais calçaria um sapato preto, de pelica. Mas insisti. Um dia eu senti o sapato sufocar meu pé. Onde estaria o sistema de ventilação? Cadê todo aquele processo de acolchoamento de antes? A fineza do produto parecia ter ficado no tempo, na memória. E ficou! Nunca mais o usei. Mas também nunca mais senti as feridas, porque elas estavam cicatrizadas e protegidas por uma casca grossa. Eram calos.
Peguei o par com dois dedos e o depositei na calçada de casa. Eu tinha a certeza de que eu estava com a mesma decepção de todos aqueles que o experimentaram no dia da compra. Mas estava satisfeito por me livrar do fardo. Mais satisfeito ainda em saber que os ferimentos causados por aquele par de sapatos eu não os sentiria mais.
Um comentário:
E aí sobra prá mim, né!?! Acabo tendo que fazer massagem no seu pé!
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