A garrafa de sal
Sempre levei em consideração as regras
sociais de etiqueta que zelam pela moral e os bons costumes. Uma delas se
refere ao silêncio dentro de elevadores. É impressionante, mas quando pressiono
o botão para chamar o elevador e ele chega, lembro-me primeiro da regra para
depois me lembrar do andar para o qual desejo ser levado. Mas nem todos que
estão dentro daquele caixote que sobe e desce tem conhecimento da regra. Não os
julgo. Não os culpo. E isso rende, muitas vezes, excelentes histórias. Uma
delas aconteceu hoje.
Gleycienne
(nome fictício da personagem) entrou no elevador comigo. Estávamos no térreo e
subimos juntos uns bons andares. Nesse período de tempo (e de espaço!) Gley,
como acho que ela deveria ser conhecida se o nome fosse esse, puxou assunto com
um senhor que, pelo visto, também desconhecia a tal regra para se manter em
silêncio quando dentro de elevadores. Ela perguntou a ele sobre como estava a
vida e disse ter visto fotos que comprovavam que ele estava em uma pescaria.
“Essas fotos são do ano passado”, justificou o pescador. Mas Gley estava a fim
de papo e foi adiante: “E como foi a pescaria? Pegou muito peixe?”.
Respostas
iam e vinham e Gley chegou a explicar ao senhor pescador como se fazia um peixe
assado com batatas e molho de maracujá. Confesso que já enjoei de peixe com
molho de maracujá. Depois da receita, ela ainda deu a dica para servir a
iguaria com arroz branco e “uma latinha bem gelada”, se referindo à uma lata de
cerveja.
O
mais curioso de tudo isso é que Gley, toda bem vestida e cheirosa (até demais,
para o meu gosto) tinha uma espécie de amuleto, no mínimo, perturbador. Pendurado ao pescoço,
ela carregava uma garrafinha de sal grosso. Acredito que seria para afastar o
“maloiado”, palavra contraída para a expressão “mal-olhado”. Me ative à
história do peixe, mas a garrafa de sal pendurada ao pescoço por uma corrente
grossa (me parecia ser prata, mas já escurecida), era o alvo do meu olhar
curioso.
Diante
da explanação de Gley, o senhor pescador atravessou na conversa e na receita da
moça e disse que o peixe que ele gosta de comer é bem mais simples. O pescador
olhou bem pra ela, desceu os olhos até o pescoço e disse: “Pra mim, só sal
basta! Você mesma poderia ser o tempero!”. Chegou o meu andar e eu saltei.
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