quinta-feira, 12 de setembro de 2013

“Teje presa”, disse o fiscal à prostituta

Goiânia - O país inteiro levantou um gigante que abalou as estruturas das três esferas de poder do Brasil para manifestar contra tanta bandalheira, roubalheira e absurdos que ficaram entalados durante anos na garganta do povo. Depois de chacoalhar tudo por onde passou, o gigante parece ter adormecido, novamente! Efeito da caipirinha brasileira? Pode ser. O que aconteceu, nesse ínterim, ficou num limbo que, para relembrar, é preciso se recompor aos poucos.
 
Enquanto centenas de milhares de brasileiros foram às ruas pedindo o fim dessa balbúrdia, parlamentares tricotavam assuntos os mais variados, faziam seus conchavos, se trancavam em seus gabinetes e criavam os maiores absurdos que esse país já deve ter visto ou ouvido falar, depois da Idade Média.

Um dos motivos das manifestações, o projeto conhecido como “Cura Gay”, de autoria do deputado tucano, o goiano evangélico João Campos, colocou em xeque a seriedade das leis criadas pela Câmara dos Deputados e demonstrou, mais uma vez, que o que vale, para uma parcela de parlamentares intolerantes, é demonstrar poder. Seja em nome de Deus ou da própria insanidade. Não vingou! E, provavelmente, por um lapso de lucidez, o nobre deputado voltou atrás e desistiu do projeto.
 
João Campos recuou, mas não sossegou. Quando todo mundo achava que o nobre deputado tivesse adormecido como o tal gigante, eis que ele volta às páginas dos jornais e aos noticiários com outro absurdo, nas mesmas proporções medievais do primeiro.

Desta vez, Campos propôs a criminalização da prostituição e de quem usa os serviços das mulheres, cuja profissão é tida como a mais antiga. O Projeto de Lei 377/2011 modifica o Código Penal Brasileiro e torna crime contratar e aceitar a oferta de serviços sexuais. É mais um embate da intolerante bancada evangélica com os deputados progressistas que, ao que parece, para mim, é falta de serviço.
 
Diante disso tudo, fico imaginando como seria a fiscalização do tal ato criminoso. A polícia poderá agir? Quem, na verdade, ficará responsável por conter o crime de prostituição? Como os ‘fiscais’ saberão onde devem fiscalizar? Penso que seria mais ou menos assim: a dona chega à casa do cliente e toca o interfone.

O fiscal que está na esquina vê que a saia está meio curta demais e a maquiagem carregada e a aborda, fazendo os questionamentos de praxe – “O que a senhora faz? O que veio fazer aqui? Quem chamou a senhora?”. Olha a bolsa dela e conta a grana. Ela entra para a empreitada. Do lado de fora, o fiscal encosta no muro e acende um cigarro atrás do outro. Quando a dona sai ele a aborda novamente, pede a bolsa dela, abre e conta o dinheiro. Se tiver mais dinheiro do que quando entrou, o fiscal brada: “Teje presa!”.
 
Depois disso, a dona é algemada. O fiscal oferece um cigarro a ela, como cortesia, já que, antes de ser prostitua é mulher, coloca-a no banco da frente da viatura – se colocar atrás e ele estiver só, podem chamá-lo de taxista; se ela for atrás e houver um motorista na frente, vão dizer que é carro de paulista porque andam dois homens na frente e uma mulher atrás – e seguem para o distrito.

O delegado recebe a dona e faz o B.O. A mulher é encaminhada ao presídio. Mas espera aí... e o cara que contratou os serviços da dona? Quem vai à casa dele fiscalizar se, realmente, o serviço foi feito? E como? Aí deve entrar em cena outro profissional que fará o ‘observatório’ e o sentenciará inocente ou culpado. Neste caso, “teje preso” também!

Rimene Amaral é jornalista e fotógrafo.

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