terça-feira, 10 de agosto de 2010

Passarela sem holofote


O sinal havia acabado de pular para o vermelho. Do lado direito, no estacionamento de uma clínica psiquiátrica, uma paciente era fotografada. Estava sendo desatada da camisa-de-força e parecia estar mais calma depois que as amarras foram afrouxadas. Fazia poses e sorria muito para a câmera, mesmo não tendo domínio completo dos movimentos. Ao lado, um furgão aberto escondia uma arara cheia de roupas brilhantes e bordadas e vestidos de festa. Perndurado na maçaneta do veículo um roupão atoalhado tinindo de branco! Parecia irradiar luz própria, tamanha era a brancura. Ao lado, duas mesas plásticas – daquelas usadas nas calçadas dos bares de periferia – imitavam o que era para ser uma penteadeira de camarim. Forradas com um tecido aveludado preto, sustentava duas maletas de maquiagem e bijouterias baratas. Aquele cenário ficaria ali por pelo menos a metade do dia, até que tudo voltasse ao normal.

Era um sábado de feira. Tempinho fechado com uma chuvinha fina que insistia em cair. Cloe esbanjando entusiasmo, aos 10 anos de idade, quando visitou a feira-livre do bairro pela primeira vez, na companhia na mãe, olhava uma pilha de cenouras cuidadosamente postas numa banca em forma de pirâmide. Era uma garota que chamava a atenção. Se tivesse 8 anos a mais, seria de parar o trânsito! Cabelos ruivos e os olhos azuis, bem arregalados, como duas turquesas que refletiam a alma – quando chorava, diziam, os olhos pareciam duas represas estourando as barragens e escorrendo pela face como córregos em um quênion. Calçava botas que protegiam as pernas até a altura dos joelhos. As calças foram escondidas pelo ponche xadrez marrom trazido do Peru pelo pai, na última incursão que fez de moto pela América Latina.

De longe, Sarrassini lançava um olhar curioso sobre a garota. Ele tinha a árdua tarefa de encontrar novos rostos para campanhas publicitárias. Ele era o que hoje se chama de scouter – um olheiro, pra ser mais claro! – e tinha achado uma jóia. Chegou mais perto e, percebendo que a mãe de Cloe havia notado, aproximou-se de uma vez, se apresentou e insistiu para que a mãe, de posse de um cartão de visitas, levasse a garota à agência de modelos. Em menos de um mês, Cloe era um dos rostos mais solicitados e fotografados em campanhas publicitárias e catálogos de moda infantil. E foi assim por mais de dez anos.

A garotinha com rosto de boneca tinha viagem marcada para um desfile nas passarelas de Milão e outro em Paris, além de um comercial em Londres. Coisa que já havia se tornado corriqueira. Fotos, maquiagem, muitas roupas, passarelas, flashes, autógrafos... muito glamour, muitas festas, muitas companhias. Algumas, más! Mas ela sempre se sobressaia. Até o dia, depois de um desfile, em que tomou algumas taças a mais de champagne e entrou no carro de um modelo, com quem fez uma ponta em um comercial. Do set de filmagem, os dois se dirigiram para um apartamento na região oeste de Paris. A festinha paricular rolou até de madrugada, regada a muito mais champagne. Quase amanhecia quando ofereceram a primeira carreira de pó a Cloe. Embriagada, ela nem teve tempo de pensar em recusar. Estava instalado o vício.

Em menos de seis meses a carreira da moça despencou, como se fosse uma modelo bêbada usando salto 15, numa passarela molhada. Os trabalhos se resumiam a umas poucas fotos para comerciais de iogurte e pontas em comerciais de TV como figurante. A família e os amigos começaram a se preocupar. Em pouco tempo, Cloe já havia frequentado quase dez clínicas para recuperação de drogados. Em vão! Um dia, numa balada recheada de álcool e cocaína, ela caiu no chão da boate, bateu a cabeça e quando acordou vivia uma confusão mental, que perdura até hoje, seis anos depois.

Aos 27 anos, a garota bonita, de olhos merejantes, tinha sido internada em um manicômio. Nos olhos dela agora o que escorria pareciam ser enxurradas de sangue. Periodicamente, ela saia do normal, tinha delírios e tinha de ser medicada para que o surto fosse controlado. Outras vezes, ela extrapolava as barreiras da realidade e dizia ser a modelo mais famosa do mundo. Era o pior estágio! Nessas horas, era preciso tratá-la como tal.

Um comentário:

taderbal disse...

nossa,q historia triste!!Onde esta Cloe agora?