vieram de mim os longos sóis e os longos dias.
vieram de mim o arrastar dos bancos, os cânticos das igrejas,
e vim eu, senhor do meu nariz, nobre sem títulos nem castelos
nem divisas,
duma ilha pequena, perdida numa concha
de mar, onde nasci. era a primeira vez
que eu abria os olhos, e senti-me rei e marinheiro. estava
embrulhado numa alga, e adormecia numa gruta, adornada
por búzios quietos. os peixes visitavam-me e afastavam
os murmúrios, os gritos, os monstros pelados,
e o eco da minha voz, que habitavam os meus sonhos. é por
isso que me revesti da luz cintilante das suas escamas
e tenho, dizem-no as mulheres que desconheço, um suor
sem perfume, um suor sem matéria, enquanto que o meu corpo
tem o encanto do cheiro a maresia.
trouxe comigo
do país onde vi as mãos me crescerem,
um barco de madeira carcomida, amaldiçoada
pelo vento marinho,
numa viagem de calados suspiros.
...
José António Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário