Meu pai era
figura necessária, para onde fosse que a conversa tomasse rumo. Mecânica? Sabia
de cór e salteado como funcionavam os motores. Desmontava-os só para ter o
trabalho de remontá-los, como se fossem quebra-cabeças. Geografia? Conheci
pouquíssimas pessoas que gostavam de mapas mais que ele. Minhas duas
professoras de geografia fazem parte da lista. Animais? Se houvesse um macaco
na história, poderia esquecer todo o restante da fauna brasileira. Ele dava uma
aula… Mas o item ‘comida’ era um dos principais. Bastava tocar no assunto e lá
estava ele achando uma forma de convencer o interlocutor a preparer um pirão de
galinha, um churrasco, uma peixada ou algo que o valha. Sempre assim, coisinha
leve porque já era noite!
Certa vez,
depois de um desses papos de esquina, numa sexta-feira, depois do expediente,
papai conseguiu, com poucas palavras, reunir uma turma pequena, mas animada,
para um baralho regado a cerveja e sarapatél (comida do norte do Brasil, feita
de miúdos de porco picados, com muito tempero e farinha. Pimenta, inclusive!).
Em minutos ele já tinha todos os ingredientes nas mãos e os apetrechos de
cozinha, tais como facas muito bem amoladas – uma das marcas registradas de
papai –, as ervas e uma panela de ferro gigante, porque comida tinha que sobrar
e nunca faltar, principalmente por falta de espaço na panela.
Prato de
alho amassado, porque alho pra ele era “o básico”. Panela no fogo. Miúdos picados.
Mesa para o jogo de Buraco com toda a pompa. Cerveja no freezer e amigos chegando. O tempo parecia ser inimigo, já que a
pretensão era de uma noite longa. Mas, tudo que é bom dura pouco! E não
demorava para que a panela anunciasse o fim da jogatina e o começo do pecado. O
da gula!
Vale
ressaltar que papai sempre foi adepto de pimenta. Malagueta. Muita! Então, os
paladares exigiam muito mais que simples copos de cerveja e rodadas de Buraco.
Era preciso ter calo na língua e no… pra aguentar o dia seguinte! Mas não havia
dúvidas: Era o melhor sarapatél da redondeza. (Nota: A fama do sarapatél era
tão grande que uma amiga grávida, sentiu desejo e quis comer sarapatél a
qualquer custo, dias depois. Papai fez!) Mas nesse dia, em especial, a pimenta também
era for a do normal e foi usada sem parcimônia, o que levou os amigos a
gritarem na primeira garfada. A cerveja parecia pouca.
Papai desentendido,
já que dizia ter a língua surrada, teve que amenizar o ardor. Misturou mais uma quantidade
de farinha e serviu novamente. A pimenta pareceu sumir. Pediram para colocar
mais! E a coisa começou a ficar misteriosa. “Têm cereza que não tem pimenta?”,
perguntava. Os comensais balançavam a cabeça, com as cartas de baralho na mão,
reprovando o tempero. “Vamos colocar mais um pouco de pimenta, então”, resolveu
papai!
Dez minutos
depois, a prova foi feita. “Execelente”, para ele! “Chamem os bombeiros!”, para
os amigos! E as provas foram sendo feitas até muito tarde, depois que quase
meio vidro de pimenta tinha sido usado e quase um quilo de farinha despejado na
panela para amenizar o ardor. Sem chegar a um consenso, o sarapatél foi
devorado até a rapa, com quase dois quilos de farinha e meio vidro de conserva de
pimenta no óleo. Sabem o que significa isso? Um “day after” dos mais difíceis para quem comeu. Mas ninguém reclamva!
Papai sabia
fazer mais que misturas de alho, sal e ervas. Sabia temperar a vida! Motivo de
sobra pra ser o número 1 na lista de qualquer pessoa que quisesse uma excelente
companhia, com tempero inigualável e lembranças idem enquanto a vida vibrasse.
Hoje, aniversário
dele, nem sarapatél e nem arroz branco têm o tempero que ele usava. Mas a vida
tem um sabor diferente porque ele soube colocar amor, compreensão, amizade, justiça
e paz em tudo o que fazia.
Onde estiver…
Feliz
aniversário!
Um comentário:
Assim como você seu pai pareceu-me ser um grande homem. É nítido a simplicidade dele em suas palavras, mas o mais importante o poder de levar a alegria aos que estão em volta. É isso!
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