A
saga de um relacionamento que começou numa rede social e acabou em casamento no
interior de Goiás. Durante três meses eles “namoraram pela webcam”. Agora, ele
veio para casar. E tudo acontecerá numa grande festa!
A festa de casamento vai começar na quinta-feira,
assim que o avião do noivo pousar na aeroviária de Goiânia. Toda a turma –
amigos, parentes e agregados – estarão à espera do rapaz com plaquinhas,
balões, apitos e lembrancinhas regionais. Os homens, todos!, usando óculos
Prada e as mulheres, todas!, com bolsa Michael Kors. Um garçom circulará pelo
saguão da aeroviária servindo pamonha frita, carne de lata e pastelzinho de
pequi, um breve esquenta do que será o cardápio da festa. No sistema de som
local, claro, Leonardo, o embaixador de Goiás – e do tomate – no mundo, vai
cantar os sucessos de toda a carreira, inclusive quando ainda havia Leandro. Os
padrinhos vão aguardar o noivo na porta da sala de desembarque com uma palma
branca. Não! Não será macumba. Apenas sinal de paz e amor.
Depois da gritaria e de toda euforia, todos sairão
aglomerados do saguão da aeroviária, carregando o noivo nos ombros e gritando:
“Com quem será... com quem será...”. No estacionamento, ele receberá uma
camiseta com uma foto de todos os amigos, assinada por cada um, com a frase:
“Seja bem-vindo para sempre no Goiás!”. Ele entra numa caminhonete gigante,
cuja carroceria é usada única e exclusivamente para as caixas de som do potente
Pioneer, que tocará, durante todo o trajeto, repertórios de todas as 4634548364
duplas sertanejas goianas. Serão 220 quilômetros até Iporá, a cidade dos pais
da noiva. Os carros que seguirão a caminhonete estarão conectados e tocarão a
mesma música. O encerramento do comboio será um trator, com uma carrocinha
acoplada, levando barris de chope e um carregamento exclusivo de copos de
plástico de 300 mililitros e ‘pêta’ de polvilho azedo, para o caso de um
desavisado ter um ataque de hipoglicemia. Nem pense em Epocler, Engov e coisas
do tipo. Goiano não precisa desses subterfúgios.
Nas aproximadas três horas – que devem se tornar
umas seis – de circuito até a cidade do casório, a viagem deve ser divertida.
Ninguém pode ficar calado mais que o tempo de engolir o chope. Apenas! Cada
boteco de estrada, posto de gasolina, puteiro ou o que o valha, uma parada
obrigatória de 15 minutos será feita. O noivo descerá da caminhonete, o volume
da música será reduzido e ele fará um pequeno discurso. Sempre com um dos
amigos-padrinhos ao lado, com uma dose de Ypióca na mão. Terminou o discurso,
vira a dose. E segue o cortejo.
Na chegada à cidade, faixas espalhadas – duas em
cada quarteirão – deixarão claro ao noivo a paixão da noiva, da família da
noiva, dos parentes da noiva e a sacanagem dos amigos da noiva. Frases criativas
tomarão a cidade, do tipo: “O ideal no casamento é que a mulher seja cega e o
homem surdo”. Ou “O casamento é a única virtude ao alcance dos covardes”. Ou
ainda: “Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor”. Na chegada à
casa dos pais da nubente, uma banda esperará o comboio e tocará o arrocha assim
que o noivo descer da caminhonete, bêbado e vomitando, numa clara evidência que
já queimou a largada, mas ainda permanece de pé depois de todas as paradas nos
botecos, postos e puteiros da estrada. Será recebido pela família da noiva –
pai e mãe – que tentarão, em vão, falar do orgulho que será tê-lo como um filho
no seio familiar. O discurso da mãe será abortado, antes mesmo da primeira
frase ser bradada, pela euforia etílica dos amigos, parentes e agregados que
fazem parte do comboio.
Entrando em casa, as portas estarão decoradas com
festões coloridos e brilhantes, ainda que faltem dez meses para a chegada de
Papai Noel. Lá dentro o som vibra e faz tremer tudo que não esteja fincado ao
chão com alicerce de base firme, tocando o que? Leonardo, claaaaaro! Até quando
ainda havia Leandro. O cunhado, repentinamente, surgirá na sala, vindo do
quintal com os pés descalços e sujos pela terra ainda unida debaixo da
mangueira, cantando desafinadamente mais alto que o som, com os braços abertos
e estendidos ao noivo, um copo de alumínio cheio de cerveja numa mão e a
garrafa na outra. Ele também estará com a camiseta da tchurma “Seja bem-vindo
pra sempre no Goiás”, mas com um X em cima do nome do Estado, substituído, em
pincel atômico vermelho, por “Iporá”.
Todos se apronchegam! Cada qual com seu copo vai
entrando e já pegando um dos pratos, que estarão postos em forma de torre
colorida em cima da mesa da cozinha e rumando, esfomiadamente, para o quintal,
onde dois cavaletes de pintor e uma tábua larga por cima, fazem as vezes de
outra mesa e sustenta as panelas com a comida do almoço. O cardápio: arroz
branco, arroz à grega, feijão de caldo, feijão tropeiro, carne de lata (carne
de porco frita e guardada por semanas em latas de 20 litros, compradas com
tinta), almôdegas, uma bacia enorme de macarrão número 5 (aquele com um buraco
no meio, que você tenta chupar, ele assovia e não entra na boca) com molho de
extrato de tomate elefante, maionese de batata e ovo e tomate picado com óleo
de soja e cebola de folha rasgada com o dedo. No final do banquete, uma mesinha
menor com um recipiente Duralex marrom, servirá a sobremesa: arroz doce.
A bebedeira, a comilança e a música seguirão com a
mesma intensidade até o domingo, quando, enfim, o noivo cairá pelas tabelas
bêbado e, com princípio de coma alcoólico, será levado ao hospital municipal
para tomar glicose na veia, aplicada por uma enfermeira prática, formada pelo
extinto Mobral, com especialização pelo Telecurso Segunda Grau. Todo o comboio
que o acompanhou desde a aeroviária até Iporá seguirá junto. Desta vez, com a
noiva, não menos embriagada e com um copo de sal de fruta na mão, tentando
aliviar a azia causada pela mistura bombástica, nem um pouco leve, do cardápio
de quatro dias de festa e muita cachaça. Quando chegar a segunda-feira, ele, o
noivo, dormindo no quarto cedido pelo cunhado, abrirá os olhos. Vai mirar um ponto
no telhado da casa e dizer baixinho, com um sotaque digno de goiano genuíno: “Divino
Padeterno! Nossinhora, meu Deus! Ah, nem...”. Dará um suspiro, virará para o
canto e resolverá pensar na vida depois que a ressaca passar.
Rimene Amaral
5 comentários:
Leve e divertida leitura, como deve ser.
Leve e divertida a leitura, como deve ser... Bjo, Ilana Seabra.
Leve e divertida leitura, como deve ser.
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
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