Confesso que não fazia
ideia de quem era. Assim que coloquei o prato na mesa, a mulher entrou no
restaurante, empurrando um carrinho de bebê, com uma linda criança. Menina!
Percebi porque tinha uma fita vermelha em volta da cabeça e, bem no topo, um
laço de cetim vermelho, cravejado de pedrinhas brilhantes, que caía nos olhos
da pequena peruazinha. A mãe me viu e veio esfuziante me cumprimentar.
Da porta do restaurante
até a mesa em que eu estava sentado, uns 30 metros, prometo que me esforcei
para conhecer aquele sorriso que vinha em minha direção e certo de que eu tinha
plena consciência de quem era. Eu não tinha. Comecei, em fração de milésimo de
segundo, percorrer todas as rodas de amigos, academia, bares, viagens, boates,
postos de combustível, coquetéis promocionais... Nada! A imagem não estava nem
próximo de ser encontrada.
Em passos firmes ela
chegava cada vez mais perto. Comecei a suar. Meu coração batia mais rápido,
como se eu tivesse acabado de levar um grande susto. Tentei, mais uma vez em
vão, lembrar. Como a chamaria? E a criança? O que perguntar? Um turbilhão
passou pela minha cabeça. Ela estava a menos de três passos de mim quando sorri
escancaradamente, encarei-a sem tirar os óculos escuros, respirei fundo e
disse: “E aí?”. Ela aproximou o carrinho com a criança, como se quisesse me
mostrar o rebento antes de qualquer coisa.
Foi quando fiz a detecção
de todo o contexto, acima já citado, e lasquei a velha e boa lábia, na
esperança de que surgisse uma pista sobre quem era: “E aí (repeti), o que tem
feito?”. Minha cabeça fervilhava e minha memória corria de um lado para outro
como aquelas cenas de documentários sobre neurologia, em que os neurônios
começam a fazer as conexões, mostrando uma corrente de energia, até que tudo
passa a ser uma imensa ligação nervosa. Não houve resposta. Esperei, então, que ela se aprontasse na
mesa, com o carrinho de bebê ao lado, e se assentasse. Novamente dirigi o olhar
a ela e perguntei: “O que tem feito de bom? Nossa! Como está grande!”, me
referindo ao bebê. Ela permaneceu muda e me ignorando.
Achei que tivesse ficado
chateada por eu não ter correspondido ao sorriso-cumprimento na chegada ao
restaurante. Fiquei intrigado e curioso. Queria, a todo
custo, saber de onde a conhecia. Levantei-me, coloquei a mão no ombro esquerdo
da mulher. Ela se assustou e olhou rápido para mim. Tirou os fones de ouvido e
quase virou um ponto de interrogação na minha frente. “Sim...”, disse ela, com
ar misterioso e já olhando por cima do meu ombro direito à procura de alguma
coisa atrás de mim. “É que você me cumprimentou, quando chegou! Como você está?”,
expliquei. “Desculpe. Estava cumprimentando meu amigo, sentado ali”, apontou o
dedo para duas mesas adiante. “Mas eu estou muito bem, sim”, respondeu. Forcei
um pouquinho, como quem não quer dar o braço a torcer e perguntei: “De onde nos
conhecemos, mesmo?”. E ela: “Não tenho a mínima ideia. Nos conhecemos?”. E saiu
para cumprimentar o amigo. Fiquei mudo e saí do restaurante.
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