Era madrugada de sexta para sábado. Havia feito
trabalho extra e, portanto, o descanso justo tinha sido atrasado. Meus 89
relógios, incluindo os de parede, marcavam 3h14 duma madrugadinha fresca. Ótimo
para dormir. Tomei um banho, fiz uma “boquinha” e caí na cama. Quase 4 da
manhã. Foram duas horas de um sono profundo e acalentador. Não mais que duas
horas.
Às 6 horas, ainda escuro por causa do inverno, ouço
um barulho estranho e quase ensurdecedor, devido ao silêncio que se fazia,
ainda de madrugada. Acordei e quase grudei no teto, como os gatos quando são
assustados e arrancados de um sono profundo. Até fazer a cabeça funcionar para
entender o que estava acontecendo demorou um pouco. Não foi difícil confirmar
que o barulho vinha, adivinha de onde? Do apartamento de cima.
A vizinha parecia ter acordado disposta a fazer uma
faxina daquelas. Pelo visto – ou ouvido – ela começara por arrastar os móveis.
E já tinha começado pelo sofá. Não tinha visto nada. Ainda estava na minha
cama. Mas eu podia desenhar a cena toda: a vizinha de cima com um lenço
amarrado na cabeça, uma camiseta das Óticas Sollaris toda relaxada e
uma bermuda de lycrapreta. Nos pés, as legítimas: havaianas brancas com as
tiras azuis.
Esperei mais um pouco antes de tomar qualquer
decisão. Mas ela parecia querer colocar o sofá dentro do banheiro, ou na
sacada, na cozinha... sei lá. O que sei é que a vizinha de cima ficou durante
meia hora arrastando alguma coisa lá em cima e impedindo-me de dormir. Tive de
tomar providências.
Enrolei-me no roupão e, descalço, subi as escadas
rumo ao andar de cima. 6h32 da manhã. A vizinha de cima abriu a porta.
A mulher do apartamento de cima: Bom dia!
Eu: Bom dia! A senhora vai dar faxina hoje?
A mulher do apartamento de cima: Ah, sim!
Sábado é dia de f...
Antes mesmo de ela pronunciar a palavra ‘faxina’,
me adiantei.
Eu: ... E de dormir até mais tarde também,
expliquei a ela.
Ela fez um olhar de quem não havia entendido.
A mulher do apartamento de cima: Como?
Eu: Minha senhora, hoje é sábado. Trabalhei
até de madrugada. Cheguei cansado e pretendo dormir pelo menos mais umas duas
horas. Seria possível a senhora me permitir?
A mulher do apartamento de cima: Mas eu não
estou...
Novamente a atropelei:
Eu: Está sim, senhora. A senhora parece estar
arrastando seu sofá para o banheiro. Sofá fica quieto na sala. A senhora sabe
que horas são? E a senhora sabe a que horas começou a arrastar as coisas em
casa? E a senhora sabe que tem alguém no apartamento de baixo tentando dormir?
Acho que conhece todas as respostas. Agora eu vou descer, vou voltar para a
minha cama e vou dormir. Vou dormir sem qualquer barulho no apartamento de cima
do meu até às 11 horas. Entendeu?
Ela balançou a cabeça afirmativamente e engoliu
seco.
Eu: Passar bem!
A mulher do apartamento de cima: Bom dia!
Eu: Espero que seja. Só depende da senhora!
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