terça-feira, 8 de julho de 2008

Escritos para guardanapos de Pubs

Para entender melhor esse texto,
leia a postagem abaixo: " Escreveu, não leu..."

Um dia resolvi aprender inglês, acabei por abrir uma janela em minha vida, de onde pude mirar as belezas e delícias de um Blues bem tocado, consegui entender a genio-insanidade Shakespeareana e abrangi tamanha população que foi impossível não dizer que minha cabeça partiu, abriu, expandiu e quase fundiu.

As ruas movimentadas de rostos estranhos e de caras brancas, com um sorriso avermelhado um tanto quanto soberbo, poderia até me deixar mais calmo. Mas me agitei. Rasguei o ventre de minha mãe para chegar a uma terra que não pára! Um mundo de histórias, as mesmas dos livros que conheci e aprendi a admirar ainda na escola pública, quando era pirralho de calças curtas. Nos mapas, meu pai colocava um marco em cima dos pontos curiosos a se conhecer. Havia um aqui, onde se fala inglês. E por isso, tive de aprender para não decepcionar a quem me incentivou a conhecer o mundo.

Em um Espanhol mal-falado me apeguei ao exagero caliente do sangue Latino, trouxe-me tamanho calor que senti o pulsar da aorta em perfeito sincronismo, pés, pernas, mãos, quadril, lábios a sorrir numa extasiante Salsa, terminando em um triste e decadente Tango, despacio por natureza.

Minha mãe usava os longos vestidos rodados com babados em vermelho e preto. Não apenas por ser uma torcedora fanática de um dos melhores times cariocas, mas para demonstrar a paixão e a força. Pés-pós-pés, força nos calcanhares e dedos espalmando-se em um som frenético e contagiante. Mas sem espanhol na fala. Bastava ouvir! Não era preciso dizer nada. Cabelos colados com goma no couro cabeludo, corpo esguio e pernas rentes. Olhares obscenos à meia luz, mas sem espanhol. Sem palavras!

Francês só pode ter sido criado pelos amantes, ao tentar encantar e seduzir, foi transcrito diretamente do sussurro e por essa e outras não se fala como se escreve, se sente e absorve, se aproveita e deleita. Batalhas intermináveis devem ter sido travadas pelos Bardos nessas terras, afortunados os cansados das estradas que pararam para apreciar, assim como eu.

Mas a fala fica, grava e trava. Ele se impõe sobre o próprio interlocutor. É assim mesmo. Até faz boca para beijar. E tem musicalidade no som das palavras. Também se pode dançar ouvindo o idioma de Piaf. Um verdadeiro Hino ao Amor! Acordeons choram e violinos lânguidos cantam. Mas é a língua que encanta.

Ainda assim lembro da minha língua-mãe com prazer, das brincadeiras nas ruas, do folclore e das peladas nos campos de várzea, dos primeiros rabiscos no caderno até as reclamações políticas pixadas nos muros do estádio da minha cidade.

Em casa, acabávamos por fazer um dialeto próprio. Usávamos o P, de Português, antes de cada palavra. Simples, mas ‘inintendível’ para alguns mortais. Para paquerar, para pescar, para punir, para paixão, para partir, para pensar... Pense, porém, por que pedimos para partir: pela paixão! E se nos muros não se escrevem mais, nem com a gramática estrangulada, e mesmo assim bonita de se ler porque a nós não nos estranha, é porque alguém não está mais onde devia. Alguém resolveu procurar outro tipo de fala. Mas não esquece do nosso verdadeiro palavreado.

Não consigo me desprender de tão complexa gramática, tão suave sonoridade da qual tanto se aproveitou Tom e ainda Chico, deveras Sinatra emprestasse-nos sua voz numa mistura passada entre letras do querido Drummond ou da abençoada Linspector.

Até Ella, a Fitzgerald, se derreteu com o mesmo Tom e fez, no mesmo tom, o favor de usar sua voz embriagante para cantar as estonteantes letras do nosso idioma. Difícil pra ela, mas som para nós. Fez feio, não! Mas ai de quem se atreve a tentar sem qualquer experiência. Enverga o pescoço e solta a língua numa simulação de convulsões febris, sem nexo e sem contexto.

Desgosto me trás tão lindo Português vomitado com tamanha entonação de bocas parlamentares, tamanha pompa para pouco conteúdo, o esperto à enganar o trouxa, o mágico a ludibriar o cético, o desbravador à se dizer um deus ao índio com a arma de fogo.

As inscrições mesmo, na faixa branca do lábaro, poucos se dão conta! Mas deixa pra lá, já que minha terra tem palmeiras onde gorjeiam aves e cantam sabiás, se o céu tem mais estrelas e as vidas mais amores, também sabemos retribuir os versos e as canções em forma de paixão. Nada mais amável. Nada mais forte. Nada mais nosso!

Sinto falta do pasto soberano com cercas de tábuas brancas, pintadas à cal, onde o matuto via o tempo ir, contando sua filosofia em versos sem rima num Português errado, mas ainda assim belo e melodioso.

Dos domingos de almoço com a família, dos pratos feitos apenas para o primeiro dia da semana. Do português sem exclamas e sem próclises, mesóclises e ênclises, mas com sentimento e consentido, nas conversas entre gerações. Saudade – aliás, palavra única, sem tradução para qualquer sentimental língua – também dos escritos tortos com letras em garranchos que a empregada deixava em cima da mesa da cozinha. A solicitação era atendida de imediato. Como alguém poderia não entender os rabiscos, sendo português claro?!

Pobre de espírito aquele que por desaventurança perdeu-se no amargor de seus sonhos inatingidos, deixou sua terra sem sucesso, tentando em vão a riqueza do além-mar, onde encontrou seu “eu” enfraquecido através do seu azar, por descuido e desgraça acaba por sua língua amaldiçoar, sem se dar conta que nesse cesto, sua família, pátria e amores estás a jogar.

Mais pobre ainda aqueles que não tentaram entender o outro, que não romperam as fronteiras da suas insanas culpas e se entediaram em quartos escuros e fétidos! Mas pobre ainda o mortal que não enxerga a verdadeira herança quando se depara com o estranho. Se um balde pode se encher de água, a vida não se enche de saber. E se um homem vive é porque tem esperança, senão por que haveria que continuar vivo? Por que cruzaria mares e encararia os medos e os preconceitos? Sim, é por alguma esperança!

Saudade da minha terra, minha família, meus amigos e minha língua portuguesa.

Saudade daqueles que conheci quando pude rasgar os céus e encarar os problemas que eu mesmo quis criar, mas para conhecer o que um dia, numa mesa de bar, me ensinaram: “Estes são os pontos. Você precisa estar em alguns deles. Muitas vezes é no estranho, no diferente, que nos encontramos.”. Segui os conselhos de meu pai! E não só me encontrei, mas pude entender que além de conhecimentos, a vida nunca se enche daqueles que queremos bem e que nos querem da mesma forma.

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Em bold: Cristian Almeida, from U.K.
Em itálico: Rimene Amaral, do Brasil

2 comentários:

Kai disse...

Belo diálogo guardanapoiâno. Criatividade rara...adorei!!!

Cristian de Almeida disse...

O que seria de nós sem os guardanapos para expressarmos tão arredio livre arbítrio e cuspir palavras na cara do alheio, deleitando-se nos butecos de esquina, ou da próxima quadra, ou mesmo na avenida beira-mar?
Resta-nos diluir todo conteúdo daquele copo e exponencialmente preencher o fundo branco, daquele quadrado solitário, com idéias e sonhos diurnos do pobre feliz.
Desgraça para o artista seria a falta do guardanapo, mais do que o alcool entorpecente abrindo as portas do inconsciente, pois inebriante à ele já bastaria um luar, um amor ao entardecer.